abril 16, 2012

a Julieta Jesus

a nossa mais querida "avó" morreu. morreu à 5 anos e só hoje é que me disseram. porque no meio de avisar tanta gente alguém se esqueceu de mim. ou então não esqueceram mas só tinham o outro número e a mensagem nunca chegou. penso nela todas as semana. desde o dia que soube da sua doença que pensava em visitá-la. mas tinha tanto medo, medo de chegar ao pé dela e ela não me reconhecer. foram muito anos de convívio, desde que a D. Ida me descobriu na 2ª classe e me convidou para a "roda das estrelinhas". foi o coro dos pequenos cantores, e depois o tutti quanti, e a camerata e a trupe. e fui eu que abandonei o barco, porque ninguém me abandonou a mim e tenho a certeza que fizeram o que podiam para me tentar demover. mas entre a noite e a musica, escolhi a primeira. porque dava mais dinheiro. porque estava no período estúpido que é a adolescência, e não media bem as consequências dos meus actos. não estou arrependida. sempre soube que a musica não era futuro para mim e nunca quis fazer profissão disso. o R. tinha esse sonho e fiz parte dele, e isso chegou para mim. sai na altura certa, quando tinha os dias cheios com jantares de amigos e noitadas de copos, e pouco tempo para ficar em casa sozinha a pensar no que tinha deixado para trás. não sei se foi saudade se foi só sentir falta daquilo depois de 10 anos a ensaiar 3 vezes por semana, mas um dia duvidei se teria tomado a decisão certa. porque me fazia falta gastar a musica toda que tinha dentro de mim. porque sentia falta daquelas pessoas, algumas que estavam na minha vida à anos demais, com quem vivi tantas coisas e que fizeram de mim aquilo que sou hoje. mas não me posso arrepender, porque guardo tanta coisa boa e sei que aquele fim foi o começo de outras tantas coisas boas. e ela esteve sempre lá. a avó Julieta fez parte de tudo. era a maestrina mais querida, que a D. Ida ralhava muito. era quem nos apoiava nos momentos piores, a que compreendia os nossos insignificantes problemas de meninas de 8 anos. era o laço doce daquela direcção, a leveza dos braços dela a dirigir as musicas diziam-nos isso. lembro-me tão bem daquele concerto quando lhe caiu o dente a meio da música. e nós, tão pequeninas, aguentámos até ao fim, contorcidas entre a vontade de rir e o profissionalismo de quem é menina de coro desde os 7 anos. acreditou sempre em mim. viu sempre em mim uma voz e uma presença que a fizeram lutar por mim até ao fim. levou-me, juntamente com a D. Ida, para a camerata quando eu nem idade tinha para entrar. e lutou contra aqueles que se opuseram por eu só ter 13 anos. e ganhou. e eu fiquei. porque o tutti quanti tinha acabado e elas acharam que era um desperdício eu não ter um coro para cantar, e para o da F. eu não ia de certeza. e o maestro gostou de mim e deu-me lugar de destaque. vivemos todo aquele caminho controverso que a camerata estava a passar, até ao dia de dizer adeus e criar a trupe. só nós. só aqueles que sabiam que o L.B.G. era um génio da musica e que todos os génios têm o seu feitio complicado, mas isso não lhes tira o mérito. e a trupe foi nossa, mesmo nossa, de todos nós. era o maestro que dirigia, mas éramos todos nós que remávamos contra a maré. e a favor dela quando a sorte apareceu do nosso lado. e a Julieta estava lá. e olhava sempre para mim e para vocês, uns aninhos mais velhos que eu e que também lá estavam desde inicio dos pequenos cantores, com um brilhosinho nos olhos de quem sabe que deu tudo o que tinha para nos dar. aprendi muito mais do que musica com ela. foi uma avó extra, que cuidou, ensinou e deu carinho. e eu gostava tanto. e o tempo passa a correr e quando damos por isso já não podemos voltar a trás. mas eu gostava, gostava de voltar só para dizer "gosto muito de si". e "obrigado", porque lhe disse tão poucos obrigados por tudo o que ela fez por mim.

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