abril 11, 2007

a armadilha dos lugares-comuns

«Por que dás tanta importância à inveja?», perguntas-me, e depois acrescentas: «Sabes, quando ouço falar de pureza, tenho como que uma reacção alérgica. Parece-me que, no século que acaba de terminar, houve bastantes tentativas para instaurar mundos cheios de pureza, com resultados, digamos assim, catastróficos. Os nazis não queriam a "pura raça ariana"? E a nível menos trágico, mas, talvez por isso mesmo, mais irritante ainda, vêm-e à ideia as purezas ou as impurezas cochichadas nos confessionários. Não te sentes embaraçada ao pronunciar essa palavra?»
Como poderemos compreender-nos, entender-nos, dialogar, se o uso das palavras não é o mesmo? [...] Um ser humano qualquer decide que existem fronteiras, parâmetros, e que só quem está dentro dessas fronteiras ou desses parâmetros é que merece viver com todos os privilégios. Quem está fora pertence a formas seguramente inferiores. [...] A partir deste pressuposto, não tarda muito a estar-se convencido de que a vida de quem está excluído desse grupo não tem o mesmo valor que a vida de quem faz parte dele.
[...] Portanto, a dimensão do mundo, aquela a que nos referimos, é só uma, a da realidade e da sua finitude. As palavras e os conceitos, com os seus significados mais profundos, são restringidos a essa minúscula divisão. Apesar de o espaço ser claustrofóbico, movemo-nos lá dentro, convencidos de que estamos a definir o universo.
O Fogo e o Vento, Susanna Tamaro

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