julho 07, 2006

alma de pássaro

E se um dia destes o Miguel acorda e decide abrir as asas e cruzar os céus? Só de pensar nisso fico com dores de estômago e um arrepio desce-me desprevenidamente pela espinha. Estarei assim tão presa a ele? Quando começámos nem sequer o levava a sério...

Encolho os ombros e respiro ainda mais fundo, à procura de uma força qualquer que não encontro. Afinal, do que é que eu estava à espera? Vem aí o Verão, e quando o Verão chega, fica tudo mais ou menos confuso, como diz o Fred.
Boys will be boys. Talvez a Ana e a Teresa tenham razão: vivo com demasiada fé e dedicação uma relação que, afinal, não é assim tão sólida. Ou, se calhar, é. Mas eu sou tão insegura que já ponho tudo em causa, só porque ele, hoje, vai jantar com os amigos e não passa comigo o fim-de-semana. Que chatice, estes medos fazem de mim a minha maior inimiga, se continuo assim, a minha vida rapidamente se transforma num inferno.

Mas quem corre por gosto, não cansa.

Se não fosse o Miguel, não sei o que seria da minha vida. Já nem me lembro como era antes dele aparecer...

- Um dia destes vou-me outra vez embora, já sabes como sou...

Eu sei, mas não me interessa. Nunca me interessou o que é que o Miguel ia fazer no dia seguinte, muito menos dai a uns meses. Habituei-me a tê-lo ao meu lado, sem lhe exigir mais do que a sua presença e o amor que tem para me dar. Habituei-me sobretudo a não esperar nada e a receber tudo o que me dá como uma dádiva, uma éspecie de bónus, o prémio que deixa o bom funcionário surpreendido.

...olho para o Miguel a dormir a meu lado, e lembro-me de que não é meu, que pode partir de um dia para o outro, como fez o Pedro. Mas quando acordo e no dia seguinte ele ainda lá está, penso que cada dia a mais já é uma eternidade. E os dias sucedem-se numa paz harmoniosa e tão doce que vai apagando a memória das discussões com o Pedro...

O Miguel está, sem saber, a apagar os fantasmas... O Miguel está a fazer-me bem, e só por isso, já merecia o mundo.

Gosto de me derreter pelo fio a falar com o Miguel.

E porque é que não há-de resultar uma relação que tem tudo, com uma pessoa que adoro, com quem me dou tão bem em tantas coisas? Antes do Miguel aparecer na minha vida, vivia sempre com a sensação que demasiadas coisas me passavam ao lado.

Quem ama e consegue esquecer é uma espécie de assassino: mata a realidade, apaga-a, renega-a e tranforma-a num pesadelo absurdo no qual somos obrigados a aprender outra vez a viver.

Alma de Pásaro, Margarida Rebelo Pinto

Sem comentários: